Eduardo Bolsonaro tem poder para interferir em extradição de Zambelli?

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A deputada federal Carla Zambelli está presa na Itália desde o último dia 29 de julho. Ela foi condenada no Brasil pelo STF

Presa na Itália há cerca de duas semanas, a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) terá, na próxima quarta-feira (13/8), seu destino definido sobre onde cumprirá sua sentença. Apesar do acordo de extradição entre Brasil e Itália, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL) assumiu que pretende intervir no caso para que a parlamentar brasileira continue no continente europeu.

Caso Zambelli

  • Zambelli foi condenada a 10 anos e 8 meses de prisão pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) em 17 de maio deste ano.
  • A condenação se dá pela participação da parlamentar na invasão dos sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2023, e na inserção de documentos falsos na plataforma.
  • Dias após ser condenada pelo STF, Zambelli anunciou que havia deixado o Brasil. Ela foi para a Argentina via terrestre e, logo depois, embarcou rumo ao exterior até chegar à Itália.
  • Como a passagem entre Brasil e Argentina não exige controle migratório formal, a saída da parlamentar não foi registrada pela Polícia Federal (PF).
  • No último dia 29 de julho, a deputada foi presa em Roma, Itália, após o deputado italiano Angelo Bonelli passar a informação do paradeiro de Zambelli para as autoridades italianas.

Nos Estados Unidos, Eduardo Bolsonaro afirmou que irá se reunir com a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, e com o vice-primeiro-ministro italiano, Matteo Salvini, para discutir a situação de Zambelli. O deputado pretende ir à Itália na ocasião em que viajará para discursar no Parlamento Europeu, a convite do eurodeputado Dominik Tarczyński.

Para o especialista em relações internacionais João Vitor Cândido, a atuação de Eduardo tem mais peso político e midiático do que jurídico. Ele detalha que processos de extradição são conduzidos por vias formais, envolvendo o Judiciário e o Executivo de cada país. “Mesmo que haja articulação política, as decisões costumam se basear em tratados, na legislação interna e no entendimento das cortes, e não em apelos individuais”, destaca Cândido.

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Firmado em 17 de outubro de 1989, o tratado de extradição entre Brasil e Itália segue vigente até os dias atuais. Para Cândido, a Itália pode sim negar a extradição, mesmo com o tratado, caso identifique os seguintes aspectos:

  • risco de perseguição política ou violação de direitos fundamentais;
  • falta de equivalência do crime na legislação italiana;
  • questões humanitárias, como estado de saúde grave; e
  • interpretação de que o processo no Brasil não garantiria um julgamento justo.

“Caso Roma opte por não entregar Carla Zambelli, haveria desgaste diplomático, mas dificilmente uma crise grave — historicamente, decisões de negação de extradição são tratadas dentro dos canais diplomáticos. No entanto, poderia gerar ruído político interno e atrito público entre autoridades brasileiras e italianas”, analisa João Vitor Cândido.

O advogado internacional Julian Henrique Dias Rodrigues também entende que a atuação de Eduardo Bolsonaro no caso Carla Zambelli terá peso mais simbólico e midiático do que efetivo no processo de extradição. Segundo ele, o deputado não possui legitimidade processual para intervir na Justiça italiana e sua influência se restringe a canais diplomáticos informais ou à mobilização da opinião pública.

Relação diplomática Brasil e Itália

Um caso recente que envolveu as justiças de Itália e Brasil foi o processo do ex-jogador de futebol Robinho, preso pelo crime de estupro coletivo cometido contra uma mulher albanesa na Itália, em 2013. O jogador foi condenado em 2017. A Justiça italiana sentenciou o ex-jogador a 9 anos de prisão, em regime inicialmente fechado. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) brasileiro homologou a decisão, e Robinho foi preso no Brasil.

Outro episódio foi a extradição do ativista de extrema esquerda italiano Cesare Battisti. Condenado por quatro assassinatos, Battisti chegou ao Brasil em 2004, após fugir da França, onde havia se refugiado. Em 2007, a Itália solicitou sua extradição, que foi inicialmente negada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2010, alegando risco de perseguição política. Em 2018, o STF reverteu a decisão e autorizou a extradição, que foi efetivada em 2019, após a captura do italiano na Bolívia.

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Para Julian, os casos de Battisti e de Robinho mostram como a extradição pode ter naturezas jurídicas muito diferentes. No caso do ex-jogador, a Constituição brasileira impediu a extradição por ele ser nacional, e a Itália teve o pedido processado apenas como execução de sentença estrangeira, em trâmite estritamente técnico no STJ.

“No caso Battisti, militante de esquerda condenado por quatro homicídios na Itália, o então ministro Tarso Genro concedeu refúgio alegando perseguição política, mesmo após o STF autorizar a extradição. Foi uma decisão política que gerou forte desgaste diplomático e marcou um raro momento em que a vontade do Executivo alterou substancialmente o desfecho”, afirmou Julian.

O presidente do Instituto Brasileiro de Direito Estrangeiro e Comparado (IBDESC), Julian Henrique, ressaltou que a comparação entre os dois episódios revela como, quando a lei impõe uma solução rígida, como no caso Robinho, sem ligação direta com disputas políticas, o fator jurídico tende a prevalecer. Já quando há margem para decisão no Executivo, como ocorreu com Battisti, questões políticas e diplomáticas podem pesar mais.

Para Julian, o exemplo de Battisti ilustra a politização e o desgaste bilateral que podem surgir, mas também demonstra que se trata de uma exceção. Em sua avaliação, a tendência institucional italiana é seguir critérios técnicos, evitando retaliações políticas abertas, mesmo diante de pressões e repercussões internacionais.

Fonte: José Augusto Limão